Bioanálises e a importância dos microrganismos na agricultura
Um manejo adequado do solo, aumentando sua eficiência produtiva aliado a métodos conservacionistas que proporcionem a manutenção da qualidade química, física e biológica do solo, fez com que as análises de solo passassem a ser mais completas, tendo por objetivo análises minuciosas que dão uma resposta mais expressiva da realidade biológica de cada solo.
A análise de solo, quando se trata da análise química do solo, tem-se como objetivo conhecer o grau de fertilidade para uma adequada recomendação de corretivos e fertilizantes, priorizando a produção. Já a análise física do solo, traz informações sobre a estrutura do solo, teores de argila, areia e silte, além da determinação da densidade e estabilidade dos agregados, capacidade de infiltração e resistência à penetração, entre outros. Somado as análises química e física do solo está ganhando espaço a bioanálise que é uma avaliação qualitativa de solo e quantifica os principais grupos de organismos biológicos que são bioindicadores da microbiologia do solo e, dessa forma, relacionados ao potencial produtivo do solo.
Os processos biológicos são a base da saúde do solo e, se bem manejados, podem reverter os processos de degradação que atualmente ocorrem em escala mundial (LEHMAN et al., 2015). Um solo saudável é um solo biologicamente ativo, produtivo, capaz de armazenar água, sequestrar carbono e promover a degradação de pesticidas, entre outros importantes serviços ambientais (MENDES et al., 2020).
Para Pedrosa et al. 2015, os microrganismos são responsáveis pela diversidade química e molecular na natureza. Desse modo, no solo atuam nos processos de decomposição da matéria orgânica, participando diretamente no ciclo biogeoquímico dos nutrientes e, que por consequência, mediam a disponibilidade destes elementos no solo levando a biomassa microbiana a funcionar como importante reservatório de vários nutrientes das plantas.
Figura 1. Como funciona a microbiologia no solo. Fonte: Guia Prático da Biologia do Solo.
A microbiologia do solo tem foco nas atividades metabólicas e tarefas de fluxo de energia e ciclagem de nutrientes associadas a produtividades primárias. Além de abordar impactos ambientais positivos e negativos dos organismos do solo, os microrganismos são capazes de degradar uma grande variedade de compostos, desde polissacarídeos, aminoácidos, proteínas, lipídios, aos materiais mais complexos, como resíduos de plantas, ceras e borrachas. A ocorrência e quantidade de microrganismos em um ambiente são determinadas pela disponibilidade de nutrientes, bem como por vários fatores físico-químicos como pH, potencial redox, temperatura, textura e umidade do solo. Uma limitação de algum desses fatores pode inibir a biodegradação e, consequentemente, causar a persistência de um agrotóxico no ambiente (MATTOS, 2015).
A expansão e a adoção por longos períodos de sistemas de manejo conservacionistas, como o sistema de plantio direto e a integração lavoura pecuária, permite verificar que os aumentos de produtividade das culturas ou a manutenção da produção frente a situações ambientais adversas muitas vezes não são explicados pelos resultados das análises químicas de solos (DRINKWATER; SNAPP, 2007; NICOLODI et al., 2008; MENDES et al., 2017, 2020).
Mas o que seriam as Bioanálises e de que forma auxiliam na melhoria da qualidade do solo?
Ao longo dos anos a Embrapa vem realizando pesquisas voltadas ao aprimoramento das Bioanálises, aprimorando as análises necessárias para um laudo mais completo do solo, o que inclui a mensuração da atividade biológica do mesmo. Desta forma, uma das evidências que vem ganhando destaque é a capacidade do solo de estabilizar e proteger enzimas que está relacionada à sua capacidade de armazenar e estabilizar a matéria orgânica (MO). Entretanto, alterações na MO ou nas propriedades estruturais do solo podem levar anos para serem detectadas, diferentemente da atividade enzimática (BANDICK; DICK, 1999; DICK; BURNS, 2011). Por essa razão, o aumento da atividade enzimática, refletindo o aumento na atividade biológica, ao longo do tempo, pode ser um prenúncio de que o sistema está favorecendo o acúmulo de matéria orgânica do solo (MOS), apesar de nem sempre esse aumento de atividade estar vinculado, nos estádios iniciais, a aumentos efetivos nos teores de MOS (MENDES et al., 2020).
Figura 2. Ilustra a especificação da Bioanálise atuando como uma espécie de identidade do solo, onde se buscam suas digitais, ou seja, características específicas de cada solo. Fonte: EMBRAPA, arte Fabiano Bastos.
A Tecnologia Embrapa de Bioanálise de Solo (BioAS) consiste na agregação de parâmetros relacionados ao funcionamento da “maquinaria” biológica do solo às análises químicas tradicionais de rotina (pH, H + Al, P, Ca, K, Mg, etc.) (MENDES et al., 2020). A BioAS permite que o agricultor monitore a saúde de seu solo, sabendo exatamente o que avaliar (enzimas arilsulfatase e β-glicosidase), como avaliar (solo coletado na profundidade de 0-10 cm), quando avaliar (após a colheita das lavouras) e como interpretar o que foi avaliado (via valores de referência que possibilitam aferir, para cada tipo de solo, se o nível de atividade enzimática está baixo, médio ou adequado) (MENDES et al., 2020).
As enzimas arilsulfatase e β-glicosidase, em conjunto ou separadamente, foram as indicadoras que consistentemente apresentaram maior sensibilidade para detectar alterações no solo, em função do sistema de manejo utilizado (MENDES et al., 2019a). Essas duas enzimas apresentam uma estreita relação com a MOS um parâmetro base da qualidade de um solo, e com o rendimento de grãos, parâmetro que reflete o aspecto econômico das lavouras os quais são fundamentais para a sustentabilidade do negócio agrícola (LOPES et al., 2018; MENDES et al., 2019a).
Além disso, a utilização da arilsulfatase e da β-glicosidase tem como vantagens: precisão, coerência, sensibilidade, simples determinação analítica e reprodutibilidade. Ademais, as duas enzimas são relacionadas à ciclagem da MOS, não são influenciadas pela aplicação de adubos e calcário (MENDES et al., 2019b). Essas enzimas também são correlacionadas com vários outros atributos microbiológicos (carbono da biomassa microbiana, respiração basal, fosfatase ácida, celulase, desidrogenase), o que permitiu a seleção de apenas dois indicadores para expressar o funcionamento da maquinaria biológica dos solos (MENDES et al., 2020).
Em vista disso, a microbiologia tem papel fundamental na ciclagem de nutrientes do solo, dessa forma, metodologias de bioanálise do solo vem sendo desenvolvidas, atuando na qualidade da mensuração da atividade biológica do solo. A Tecnologia Embrapa de Bioanálise de Solo (BioAS) utiliza a atividade das enzimas β-glicosidase e arilsulfatase as quais atuam no ciclo do carbono e no ciclo do enxofre, respectivamente; medindo atividade dessas enzimas resultam basicamente no que os microrganismos excretaram chegando a memória do solo, ou seja, de acordo com o que foi utilizado nesse solo (manejo, culturas, produtos utilizados) tem-se a real condição de como esses processos interferiram e o que resultaram (positiva ou negativamente) na saúde biológica do solo. Isso significa que a bioanálise do solo consegue contemplar de forma específica a necessidade e a eficiência do solo, contribuindo assim com um manejo adequado.
Com conhecimento do tema, é possível entender como a matriz orgânica AZOGEL, da ILSA, pode contribuir com a qualidade microbiológica do solo. A partir desta matriz são formulados fertilizantes orgânicos e organominerais que possuem como matéria-prima o colágeno, proteína rica em nitrogênio orgânico e aminoácidos. A matriz é obtida através de um processo industrial inovador e sustentável, chamado de hidrólise térmica (a hidrólise consiste no processo físico-químico de rompimento das ligações químicas pelo efeito da água) onde nenhum tipo de substância química é utilizada no processo o que mantém as características nutricionais da proteína. Tal processo permite a obtenção de um produto único e de alta homogeneidade (sem variações na matéria-prima e nas garantias), com elevado teor de carbono e nitrogênio orgânicos, ambos altamente disponíveis para os microrganismos presentes no solo e na rizosfera.
Devido ao seu alto nível de substâncias orgânicas, elevado teor de nitrogênio orgânico e baixa relação C/N (3,25), AZOGEL estimula a atividade microbiana no solo. Diversos estudos mostraram a influência positiva do AZOGEL sobre o crescimento e atividade da população microbiana.
Um exemplo que pode ser citado foi dados experimentais obtidos por experimentos realizados pela ILSA no Departamento de Ciência do Solo da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Os trabalhos foram conduzidos em casa de vegetação com temperatura e umidade controladas entre os meses de março e maio de 2021. Tendo como objetivos avaliar os atributos químicos e biológicos de solos após a adição de fertilizantes organominerais à base de AZOGEL, contratando-os com fertilizantes organominerais produzidos com matrizes orgânicas tradicionais, avaliar atributos enzimáticos do solo após o cultivo do Triticum aestivum L. com os fertilizantes organominerais produzidos com matrizes orgânicas tradicionais (FOM), entre outros.
Para a realização dos experimentos, foram utilizados cinco tratamentos, dois tipos de solo (arenoso e argiloso) e cinco repetições, totalizando-se 50 parcelas experimentais. Os tratamentos com aplicações de fertilizantes constaram de dois fertilizantes NPK organominerais formulados com e sem adição de AZOGEL®, e ainda, com e sem enxofre (S) na formulação, além de um controle. A matriz orgânica dos fertilizantes contendo AZOGEL® (produtos 1 e 2) é homogênea e provém da transformação do colágeno em fertilizantes orgânicos, enquanto os fertilizantes organominerais usados na comparação (produtos 3 e 4) foram formuladas com matrizes orgânicas de origens diversas. Os produtos avaliados são descritos na (Tabela 1), sendo apresentados também os resultados das análises dos teores de N, P2O5, K2O, S e S-sulfato.
Esses produtos adicionados aos solos afetaram positivamente o crescimento e os teores de nutrientes nas plantas de trigo. O maior efeito é observado no solo arenoso, atribuído à maior presença de macroporos, menores teores de óxidos de Fe e Al, e, assim menor adsorção e complexação dos nutrientes e do material orgânico que foi fornecido pelos produtos.
Tabela 1. Descrição dos tratamentos utilizados nos experimentos.
Tratamento | Descrição | NPK* | S* | S-Sulfato* |
Produto 1 | 08-12-07 (formulado com AZOGEL) | 7,89-11,97-6,90 | – | – |
Produto 2 | 09-09-08 + 4S (formulado com AZOGEL) | 8,85-9,20-7,80 | 8,6 | 1,4 |
Produto 3 | 08-12-07 (formulado sem AZOGEL, com outra matéria prima de origem orgânica) | 7,89-12,10-6,90 | – | – |
Produto 4 | 09-09-08 + 4S (formulado sem AZOGEL) | 9,02-8,89-8,10 | 9,5 | 2,3 |
Controle | Sem aplicação | – | – | – |
* Teor (%) real dos nutrientes (N, P2O5, K2O, S total e S-sulfato), após análise em laboratório. |
A atividade da enzima β-glucosidase teve aumento significativo com a aplicação dos produtos e em ambos os solos, com maiores teores com a aplicação do Produto 2.
Figura 3. Atividade enzimática β-glicosidase em Latossolo Vermelho Amarelo distrófico típico (arenoso) e Latossolo Vermelho distrófico típico (argiloso) 30 dias após a aplicação de diferentes fertilizantes organominerais. Resultados da ANOVA e teste de Tukey (P < 0,05). Letras diferentes correspondem a diferenças significativas entre os tratamentos em cada solo avaliado.
Ao final do cultivo do trigo, os atributos microbiológicos determinados nos solos foram atividade enzimática geral do solo (hidrólise do diacetato de fluoresceína- FDA e β-glicosidase (Figura 4) – mostrando alta atividade quando aplicado tratamentos com AZOGEL. Para a FDA, as diferenças ocorrem apenas no solo arenoso (Figura 4), sendo que o Produto 1 apresentou maior atividade enzimática total do solo. O Produto 1 também se destacou como a maior atividade da enzima β- glicosidase no solo argiloso.
Figura 4. Atividade enzimática geral do solo (hidrólise do diacetato de fluoresceína – FDA) e β- glicosidase nos solos após o cultivo do trigo por 30 dias em Latossolo Vermelho Amarelo distrófico típico (arenoso) e Latossolo Vermelho distrófico típico (argiloso) com diferentes fertilizantes organominerais. Resultados da ANOVA e teste de Tukey (P < 0,05). Letras diferentes correspondem a diferenças significativas entre os tratamentos em cada solo avaliado.
Em vista disso, ao final do cultivo do trigo, o Produto 1 destaca-se por apresentar menor acidificação do solo e maior produção de biomassa (massa seca da raiz e da parte aérea). Além disso, está entre os produtos que levaram à maior atividade enzimática geral do solo (FDA) e da enzima β-glicosidase.
O experimento mostra a contribuição positiva do AZOGEL com o solo e a cultura utilizada. Assim evidenciando um produto que apresenta raro e elevado grau de sustentabilidade, pois garante as necessidades das gerações atuais e futuras, assegurando produtividade e rentabilidade com o máximo respeito ao meio ambiente.
Referências bibliográficas
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MENDES, I. de C, et al. Critical limits for microbial indicators in tropical Oxisols at post-harvest: The FERTBIO soil sample concept. Applied Soil Ecology, v. 139, p. 85-93, 2019b. MENDES, I. de C. et al. BIOANÁLISE DE SOLO: A MAIS NOVA ALIADA PARA A SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA. 2020.
NICOLODI, Margarete et al. Insuficiência do conceito mineralista para expressar a fertilidade do solo percebida pelas plantas cultivadas no sistema plantio direto. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 32, p. 2735-2744, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100- 06832008000700017
PEDROSA, Manoel Victor et al. Importância ecológica dos microrganismos do solo. ENCICLOPEDIA BIOSFERA, v. 11, n. 22, 2015.
Autores
- Eng. Agr. Dra. Angélica Schmitz Heinzen
- Eng. Agr. Msc. Carolina Custódio Pinto
- Eng. Agr. Msc. Thiago Stella de Freitas